terça-feira, 9 de novembro de 2010

O fim (?)

Panfleto do Museu do Apartheid


“O apartheid está exatamente no lugar ao qual pertence: em um museu”. É essa a frase gravada no panfleto que recebemos em nossa visita ao Museu do Apartheid, localizado em Johannesburgo. Lá encerrei meus três meses de pesquisa, estudo e observação sobre as consequências do regime político de segregação racial da África do Sul. O lugar surpreende pela quantidade de história que carrega. Em milhares de paineis, textos, documentos, fotos e vídeos está registrada a opressão que o país vivenciou por mais de quatro décadas.

Logo na entrada já é possível sentir na pele como foi a separação promovida pelo regime. Os bilhetes de entrada são divididos, aleatoriamente, entre brancos e não-brancos. As entradas são separadas e, durante algum tempo, caminha-se em um corredor com placas que indicam que o lugar é para “europeus” ou “não-europeus”. Dos lados, várias cópias em tamanho ampliado de identidade de negros e brancos.

Bilhetes de entrada dividem as pessoas



Entrada para os "não-brancos"

Após a entrada, a história é contada desde o começo, iniciando pela chegada de colonizadores europeus ao país.  E, finalmente, os fatos culminam na segregação formal. Lá estão as propagandas racistas divulgadas pelo Partido Nacional (NP). Lá estão fotos e informações sobre as diversas manifestações pró e contra o regime. Lá está exposta toda a vida de Nelson Mandela, suas fraquezas e sua força, em uma galeria unicamente dedicada a ele.

Lá está uma sala com cordas de forca dependuradas no teto, e que nos conta dos milhares de executados em função do regime. Lá estão registradas todas as leis de separação criadas pelo governo. E, por último, lá está a chamada “sala de negociações”, aonde o longo processo que conduziu ao fim do apartheid é contado em detalhes. E o que me parecia tão pacífico até então, mostrou-se como uma dura e violenta caminhada que se iniciou em 1990 e terminou em 1994, com a eleição do primeiro presidente negro do país nas primeiras eleições democráticas que aquela nação vivenciou.

Painel que conta o início do apartheid e fala sobre a militância da ANC


Todo o caminho percorrido por ali foi mais ou menos igual ao caminho de descobrimento que trilhei nesses três meses na África do Sul. E, embora a frase do panfleto do museu pareça anunciar um presente livre de preconceitos, com os problemas pertencendo ao passado, o país ainda tem um longo trecho para andar até que a segregação racial esteja realmente confinada em um museu.

No entanto, apesar de acreditar que a realidade de um país marcado pelo respeito inter-racial ainda esteja por vir, confesso ter me surpreendido por tudo que a África do Sul já alcançou nesses quase vinte anos de igualdade e democracia. Não sei se por viver em um país no qual, apesar da escravidão de negros ter sido abolida há centenas de anos, ainda há demonstrações muito visíveis de racismo, mas acho que as mudanças em solo sul africanos estão acontecendo em um ritmo acelerado.

A despeito de toda a desconfiança e tensão que percebi entre as pessoas das diversas raças e “tribos”, acredito que a convivência, mesmo que forçada, esteja levando ao reconhecimento de que são, afinal, todos sul africanos, ainda que de origens e culturas muito diversas. E, mais do que isso, está levando à aceitação de que são todos seres humanos. 

Eu na entrada do Museu do Apartheid, com frase de Mandela ao fundo


Foi essa a sensação que trouxe de volta ao Brasil: a de que a África do Sul é um país que, apesar de ter muitas histórias tristes para contar, carrega nas costas de sua nova geração a força e a esperança de, por fim, superar o passado e o confinar em um museu.

Obrigada por me acompanharem na minha caminhada!Minha missão já foi terminada, mas a da busca pela igualdade na África do Sul ainda continua. Resta torcer e esperar para ver se vai haver fôlego suficiente.

Veja mais imagens do Museu do Apartheid na galeria do (vi)Vendo a África do Sul.

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