Para (vi)Ver e entender melhor a África do Sul

Apartheid é uma palavra derivada do holandês, e significa "separado". O significado não poderia ser diferente, se pensarmos o uso para o qual foi empregada. Durante muitos anos, esse foi o termo com que se designou o regime de segregação racial que vigorou na África do Sul.


Formalmente, o apartheid começou em 1948, quando os descendentes de holandeses que colonizaram a região, chamados de afrikaners, assumiram o governo do país. No entanto, a história da opressão dos negros pelos brancos começa muito antes, em 1652, quando os holandeses chegam ao território para colonizá-lo e passam a utilizar mão de obra negra barata ou escrava.

A tensão se agrava durante a Guerra Anglo-Zulu, em 1879, quando os nativos do grupo étnico zulu, que vivia na porção sul do país, se rebelaram contra os colonos para tomar de volta a posse de suas terras - e de sua liberdade. A guerra terminou com um massacre dos habitantes negros, em um episódio conhecido como "A Batalha de Blood River", já que o sangue dos inúmeros zulus mortos tingiu de vermelho o rio Ncome.

Após a descoberta de recursos minerais caros, colonizadores ingleses também foram atraídos para a África do Sul. A disputa pela posse de minas de ouro e diamente e do poder sobre a região levou os fazendeiros descendentes de holandeses que moravam no local, os bôeres, a declarar guerra, em1880, contra os ingleses. A disputa ficou conhecida como Guerra dos Bôeres. Mesmo sendo derrotados pelos ingleses, os bôeres não foram expulsos, e os dois povos colonizadores formaram um governo (chamado de União da África do Sul, com a incorporação de novos territórios) que, desde então, já impunha regras racistas, como somente permitir que brancos participassem das eleições (votando ou sendo votados).

Em 1948, essa questão é legalizada com a subida do Partido Nacional (controlado pelos afrikaners) ao poder. Através de diversas leis e atos que estabeleciam que as pessoas deveriam ser separadas por suas raças - negros, brancos, coloureds e asiáticos - eles inauguram o apartheid. Os habitantes passam a ter que portar passes para comprovar sua "origem" e o país se torna dividido, com o estabelecimento formal de lugares públicos separados (como banheiros, ônibus, estádios, escolas), a proibição de casamentos inter-raciais, a proibição dos não-brancos de entrarem nas cidades - a menos que comprovassem trabalhar nelas -, a censura à imprensa, entre outras formas de separação.

Durante anos, mesmo com a pressão da ONU e a desaprovação de outros países, que inclusive chegaram a fazer embargos econômicos e políticos à África do Sul, o sistema vigorou. Em 1990, após a fragilização do país, seja por essas iniciativas externas ou por protestos internos, como a repercussão do "Massacre de Sharperville", o então presidente (branco) Mr. F.W. DeKlerk iniciou negociações com a Congresso Nacional Africano (ANC) - partido de maioria negra que fazia oposição ao apartheid -, e tomou iniciativas legais para acabar com o regime. Nesse ano, militantes da ANC que tinham sido presos políticos durante o sistema foram libertados, entre eles Nelson Mandela.

Quatro anos mais tarde, após um processo lento (e não violento) de democratização e união do país, Nelson Mandela foi eleito nas primeiras eleições livres do país, que contaram também com a participação dos negros. Em 1995, as leis que ainda sustentavam formalmente o apartheid foram abolidas por uma nova Constituição, que declarava todos iguais perante a lei sul africana, independente de suas raças. Para o país nunca mais experimentar a concentração de poder por uma minoria, foram instituídas três capitais oficiais do país: Pretória (executivo), Bloemfontein (judiciário) e Cidade do Cabo (legislativo). Para preservar a diversidade de povos, de todas as raças, também foram proclamadas como oficiais onze línguas: inglês, isiZulu, isiXhosa,Sindebele, Siswati, Afrikans, Sesotho, Setswana, Sepedi, Xitsonga e Tshivenda. Essa multiplicidade de culturas, povos e costumes deu origem ao termo Raibon Nation (Nação Arco-Íris), que faz menção às diferentes "cores" (a diversidade) da África do Sul que, mesmo assim, formam um todo único.

Desde 1994, a ANC se manteve no poder. Várias medidas políticas, sociais e econômicas vêm sendo adotadas pelo governo para tentar equalizar as diferenças no país e elevar todos os sul africanos a um mesmo padrão de vida. No entanto, as heranças do apartheid, seja em relação à distribuição desigual de recursos ou nos relacionamentos inter-raciais, ainda são muito recentes e visíveis. Um desafio para as próximas gerações na África do Sul.