terça-feira, 5 de outubro de 2010

Entendimento por necessidade

Três vezes por semana, quando abro a porta da varanda de casa, encontro um sorriso tímido do outro lado do muro de tijolos vazados, na casa da vizinha, varrendo a varanda. É a senhora que trabalha para ela, uma negra já de idade, na casa dos 60 anos, vestida ainda conservando alguns traços da imagem típica que eu tenho das mulheres africanas: uma saia comprida e um lenço colorido amarrado na cabeça.


Sempre cumprimento com um "good morning" (bom dia) e pergunto "how are you?" (como está você?). Em resposta, recebo somente um "good morning" sussurrado. Depois, ela abaixa a cabeça e, invariavelmente, volta para dentro da casa da vizinha. Só retorna a seu trabalho na varanda depois que eu também já entrei para dentro de casa.


Para mim, a imagem típica da mulher africana é assim: saia comprida e lenço colorido na cabeça.
Por aqui é comum ver muitas delas vestidas assim.

Sempre fiquei intrigada. Será que ela é muito tímida ou será que não foi muito com a minha cara? Outro dia, conversando com a vizinha, comentei o fato. Disse que a senhora que trabalhava para ela não gostava de conversar comigo. Foi então que descobri que não era nada disso. Não é que ela não gostasse de conversar comigo, é que ela não conseguia conversar comigo. Explico: pertencente ao grupo dos zulus e tendo sempre trabalhado em casas de senhoras afrikaners (só para a vizinha ela já trabalha há 15 anos), essas eram as duas línguas que ela sabia falar - zulu e afrikans. Inglês, muito pouco, contou-me a vizinha.

Durante a época do apartheid, o inglês não era tão utilizado no país, e o governo, controlado pelo Partido Nacional, de maioria afrikaner, tentava impor o afrikans como língua nacional. Além disso, os negros só eram admitidos nas cidades para trabalhar nos negócios e nas casas dos brancos. Por isso, é muito comum hoje ver jardineiros e faxineiras negros falando afrikans. Para conseguir se entender com os patrões, esse foi o idioma que tiveram que aprender.

Minha irmã passou por uma experiência parecida. Quando se mudou para cá, a empresa em que meu cunhado trabalha arrumou uma senhora para ajudar a limpar a casa dela. O problema foi a comunicação, já que minha irmã falava só um pouco de inglês e a senhora, menos ainda. O entendimento entre as duas muitas vezes dependia dos gestos e sorrisos. E hoje mesmo tive um outro exemplo disso. A empresa arrumou um jardineiro (negro) para vir olhar o jardim de casa. Junto com ele veio um senhor branco, para olhar e avaliar o trabalho necessário. Entre eles, conversavam em afrikans. Foi então que expliquei, em inglês, que o jardim precisava de cuidados principalmente por causa de uma praga que tinha se espalhado. O senhor branco assentiu, e só então explicou - ou melhor, traduziu - ao jardineiro, em afrikans, o que eu tinha falado. Assim, conseguimos nos entender. Já sem a presença do senhor afrikaner, aí seria preciso recorrer a um outro tipo de língua, essa praticamente universal: a expressão corporal.

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