segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Os símbolos e a identidade nacional

A criação de símbolos é o ponto de partida para a formação da identidade nacional, principalmente quando se trata de uma nação que acabou de passar por mudanças drásticas e quer que o passado seja superado. Exemplos históricos dessa iniciativa nós temos de sobra, a começar pelo próprio Brasil, quando virou uma República.

Na África do Sul, a conduta não poderia ser diferente. Com o fim do apartheid, muitos símbolos foram alterados na tentativa de apagar as diferenças geradas pelo regime e promover a igualdade em um "novo" país, democrático. Não é preciso nem citar que o principal passo foi a criação de um inquestionável (ou quase) herói nacional, que virou também referência internacional.


Imagens de Nelson Mandela estão por toda parte na África do Sul:
aqui, o heroi nacional em foto do Forte Amiel, em Newcastle

O posto foi facilmente assumido por Nelson Mandela, principalmente pelo papel decisivo que o militante da ANC teve na luta anti-apartheid e também nas negociações com F. W. de Klerke, que culminaram no fim da política de segregação racial. Além, é claro, do fato de ser um mártir perfeito, após passar 27 anos na prisão de Robben Island por se opor ao regime. Ao ser eleito o primeiro presidente (negro) em eleições livres, pacíficas e democráticas no país, ganhou de vez o título de herói.

E foi também Mandela quem contribuiu para a criação de um novo símbolo da igualdade na África do Sul, que mais tarde foi reforçado por outro heroi nacional, o Arcebispo Desmond Tutu: o termo "Rainbow Nation" (Nação Arco-Íris). A expressão é uma metáfora sobre a diversidade de cores do país, todas convivendo em um mesmo arco-íris.



Outro reconhecido heroi nacional, Arcebispo Desmond Tutu
Foto tirada desse link

No entanto, era preciso mais do que isso para apagar - ou ensinar a respeitar - as diversidades. Por isso, dois dos principais símbolos nacionais também foram alterados: a bandeira e o hino nacional.

Desenhando uma nova nação

Sustentada em competições, reuniões e cerimônias nacionais e internacionais, a bandeira de um país é um dos elementos mais importantes para o reconhecimento de uma nação. Até por estar associada a todas essas ocasiões, a flâmula é uma das primeiras coisas a ser evocada e reconhecida quando se fala de nacionalismo. No caso da África do Sul, a antiga bandeira - laranja, branca e azul e com pequenas bandeiras da Inglaterra e da Holanda desenhadas em seu centro - , remetia ao poder dos descendentes brancos de holandeses e ingleses, que sustentavam o apartheid.


Antiga bandeira da África do Sul
Foto tirada desse link

Com o fim do regime, em 1994, houve um concurso para a criação de uma nova bandeira. A vencedora foi adotada em abril do mesmo ano. Como explicado no site Sua Pesquisa: "Em seis cores (preta, amarela, verde, branca, vermelha e azul), a bandeira da África do Sul apresenta no centro um "Y" deitado. Este "Y" simboliza a convergência em uma só nação, após o regime de apartheid". Além disso, as cores também foram cuidadosamente escolhidas para representar a imagem do novo país que surgia.


A nova bandeira da África do Sul atualmente é ostentada em vários lugares
pelos sul africanos

De início, alguns afrikaners apresentaram bastante resistência ao novo símbolo e continuavam sustentando bandeiras antigas, principalmente como forma de manifestar sua contrariedade em relação ao novo governo. Um exemplo disso é a cena do filme Invictus, em que Mandela (representado pelo ator Morgan Freeman) entra no estádio para assistir a um jogo da Copa do Mundo de Rugby de 1995 e fica feliz com a presença de várias pessoas segurando a nova bandeira. A maioria branca (já que o rugby era um esporte "branco", sendo o futebol deixado para os negros), entretanto, continuava empunhando a antiga flâmula. A resistência - tanto ao novo governo quanto aos símbolos criados por ele - foi vencida com o tempo, e a nova bandeira foi adotada por todos, como o mundo pôde assistir durante a Copa do Mundo de Futebol de 2010.

Cantando a diversidade

O hino nacional também passou por uma adaptação curiosa. Como já dito por aqui, a África do Sul tem 11 línguas oficiais. Para representar toda uma nação, foi criada uma canção capaz de abarcar cinco dessa línguas, e demonstrar a nova constituição do país, além de contar um pouco de sua história. Assim, cada verso ou estrofe é cantado em um idioma, mostrando o quão diversa e, muitas vezes, incompreensível, é essa mistura sul africana.



Hino Nacional: línguas e tradução

Nkosi Sikelel iAfrica
Nkosi sikelel' iAfrica (Deus abençoe a África)
Maluphakamis'uphondo Iwayo (Deixe seus chifres ser levantados)
Yizwa imithanda yethu (escute também as nossas preces)
Nkosi sikelela, (Deus nos abençoe)
(language: isiXhosa)

thina lusapho Iwayo (nós, a família da África)
(language: isi Zulu)

Morena boloka sechaba sa heso (Deus abençoe nossa nação)
O fedise dintwa le Matswenyeho (Acabe com as guerras e sofrimento)
Morena boloka sechaba sa heso (Deus abençoe nossa nação)
O fedise dintwa le Matswenyeho (Acabe com as guerras e sofrimento)
O se boloke, O se boloke sechaba sa heso (Salve, salve, nossa nação)
Sechaba sa South Afrika - South Afrika (A nação da África do Sul)
(language: Sesotho)

Uit die blou van onse hemel (Dos nossos céus azuis)
Uit die diepte van ons see, (Das profundezas do nosso mar)
Oor ons ewige gebergtes, (Através de nossas eternas montanhas)
Waar die kranse antwoor gee (Onde os ecos dos penhascos ecoam)
(language: afrikaans)

Sounds the call to come together (Soa o chamado para se unir)
And united we shall stand (E unidos ficaremos)
Let us live and strive for freedom, (Vamos viver e lutar pela liberdade)
In South Africa, our land. (Na África do Sul, nossa terra)



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