sábado, 2 de outubro de 2010

O outro lado do mesmo lado

Antes de vir para a África do Sul, um colega - que sabia sobre o tema desse meu trabalho - me enviou um vídeo de uma escritora nigeriana, que ele disse que poderia ser útil. O material é a gravação de uma palestra na qual essa escritora, Chimamanda Adichie, alerta as pessoas sobre os perigos da "single history", a típica versão de um só lado de uma história. Segundo ela, muitos estereótipos sobre o continente africano se perpetuam por causa de uma visão cristalizada, que fala da África como um lugar pobre, com pessoas morrendo de AIDS e fome, com costumes tribais e atrasados - muito aquém da globalização.




Mesmo alertada sobre esses perigos, de enxergar uma só versão das coisas, aqui me vi facilmente cometendo esse erro. Outro dia, conversando com minha irmã, ela me chamou atenção para o fato. "Você precisa tomar cuidado, porque do jeito que está contando as coisas, às vezes parece que todos os afrikaners e brancos (sul africanos) são racistas ou concordam com o que alguns poucos deles falam", ela me disse. É verdade. Convivendo praticamente só com pessoas brancas, muitas delas mais velhas, a maioria descendente de afrikaners e procurando por todos os lados enxergar resquícios do apartheid, acabo muitas vezes descrevendo somente momentos mais marcantes, de um preconceito ainda muito visível.

Mas não é sempre assim. Há, felizmente, muitas pessoas que não concordam com a persistência dessa discriminação, e outras que nunca concordaram. Por isso achei melhor me retratar enquanto ainda é tempo, e contar o outro lado da história desse mesmo lado que venho mostrando.

Algumas semanas atrás fui visitar uma escola que fica aqui no bairro onde moro e fui recebida por uma das coordenadoras, uma senhora afrikaner de idade e muito simpática, com quase a mesma dificuldade do que eu para falar em inglês. Conversamos muito, com ela me explicando as mudanças pelas quais a escola, que durante o apartheid era só para brancos, passou desde 1994 - mas que é assunto para outro post . Em certo momento, ela me contou a sua opinião acerca do assunto. Nascida em pleno regime de segregação, desde pequena, ela me disse, nunca entendeu o porquê do apartheid. "Eu nasci e cresci durante o regime, e sempre fui contra a ideia propagada por ele. Infelizmente, essa é uma coisa que muitas pessoas não sabem. Elas acham que todos que falam afrikans eram a favor do apartheid, mas a maioria dos afrikaners não são realmente racistas", explicou-me.

Minha irmã também me contou que seu chefe, na casa dos 30 anos, disse a ela que a impressão de que todos os brancos apoiavam o regime de segregação vem do fato de que muitos deles não tinham informações sobre o que acontecia no país. Segundo ele, muitos dos brancos não se manifestavam contra o regime não porque concordassem com o que estava acontecendo, mas por ignorância, por não saberem o que estava realmente se passando. Com a imprensa controlada e censurada pelo governo, era difícil para os brancos, que viviam em uma espécie de mundo separado - só com outros brancos - saber o que acontecia fora da "bolha" em que estavam. Os protestos e a violência contra outros grupos raciais ficavam restritos às townships ou territórios dos negros, e raramente vinham a público, assim como no já comentado caso de Donald Woods e Steven Biko.

Além disso, acredito que esse preconceito é uma dificuldade das pessoas mais velhas, que cresceram sob um discurso racista muito forte, de se adaptar aos novos tempos, e que isso tem grandes chances de mudar nas futuras gerações. Um exemplo é um dos jornalistas que conheci aqui. Com 20 anos de idade, ele me disse que era muito novo quando o regime acabou, e que tem poucas lembranças daquela época, mas que tem uma opinião muito diferente das gerações passadas. "Eu não acredito nisso, de julgar as pessoas pela "cara" delas. Eu gosto ou não de alguém pela sua personalidade. Mas eu não acredito que todo mundo pensa como eu. Eu tenho amigos negros, mas eu não posso leva-los à minha casa porque algumas pessoas da minha família, como a minha avó, não iam entender. Acho que ia ser desconfortável para ambas as partes", contou ele. E acrescentou: " Lógico que o caminho não é negar o que aconteceu, mas as pessoas deviam somente seguir em frente para construir um futuro diferente".

2 comentários:

Nando Rodrigues disse...

ola Denise como vai vc? Espero q bem aqui estamos c muita saudade seu blog está fantastico a ja ia me esquecendo aqui é a glau e a claudia também manda bjos . espero q não tenha se esquecido de nós hehehe, bjinhos

Denise disse...

Ei Glau!
Tudo bem por aqui. E com vcs, como estão as coisas?
Que bom que estão visitando o blog! Espero que aproveitem pra conhecer um pouquinho da África do Sul e acompanhar minhas experiências por aqui!rs
Bjos e manda bjos para a Cláudia por mim também!