segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um drama na realidade

Sempre acreditei que filmes são uma forma incrível de ensinar história. E aqui tive oportunidade de comprovar esse crença. Outro dia, assistindo televisão, deparei-me com o drama The Power of One  (em português, O poder de um jovem). Lançado em 1992 - antes de 1994, considerado como o ano formal do fim do apartheid, com a eleição de Mandela -, o filme do diretor John G. Avildsen é um emocionante retrato da discriminação racial na África do Sul.

A história de PK, filho de ingleses que se mudaram para o território sul africano para se tornar fazendeiros, mostra como o país sempre foi marcado por conflitos e tensões. Em seu caminho, o jovem tem a oportunidade de conviver com pessoas de diversas raças e tribos, e acaba se engajando na luta pela igualdade durante o período do apartheid. Apesar de ser ficção e uma produção norte americana, o filme carrega uma dose enorme de realidade e me fez vivenciar e ficar indignada com várias situações mostradas.





Além disso,o drama conta um pedaço da história da África do Sul que não é tão conhecido: a ligação fortíssima entre o regime de segregação racial e o nazismo. A relação é clara. Assim como os nazistas buscavam a "purificação" mundial, através do fortalecimento da raça ariana e da limpeza das demais raças, os afrikaners também queriam impedir a mistura com os negros. E foi no regime criado por Hitler que buscaram a inspiração e as justificativas para o apartheid.

E há outra conexão, não tão óbvia. Durante o período de colonização, ingleses e holandeses disputavam o poder sobre o continente e suas riquezas. A tensão entre os dois povos colonizadores levou às duas Guerras dos Bôeres, ambas vencidas pelos ingleses. A disputa remete ao nazismo porque os britânicos, como estratégia de guerra, colocavam mulheres e crianças descendentes de holandeses em campos de concentração. Dessa forma, evitavam que os homens afrikaners fossem para a batalha, permanecendo em casa para proteger a família.

Essa iniciativa culminou em um intenso ódio entre afrikaners e ingleses, mesmo após o fim das Guerras e do acordo firmado entre os dois povos para governar o país juntos. No filme, PK vai para uma escola afrikaner e sofre vários tipos de intimidação e humilhação por parte de seus colegas. Na realidade, hoje a tensão é bem menos explícita e em menor escala, mas ainda presente.

No Forte Amiel, em Newcastle, que assistiu às duas Guerras dos Boêres
a reprodução dos instrumentos usados pelos ingleses


Por ter vizinhos tradicionais e descendentes de afrikaners, já tive algumas oportunidades de ouvir conversas que evidenciam resquícios dessa disputa. Uma das vizinhas, durante um braai, tentava me ensinar algumas palavras em afrikans e vez ou outra comentava: "Os ingleses também usam essas nossa palavra, porque eles não conseguiram criar uma palavra na língua deles para dizer a mesma coisa". Outra frase comum era: "Os ingleses falam muito rápido, e precisam usar várias palavras para dizer uma coisa que nós somos capazes de falar com apenas uma expressão. É por isso que muitas vezes não nos entedemos".

Conversando com a vizinha de porta, perguntei se a tensão entre ela e a nora dela - uma sul africana descendente de britânicos - tinha alguma coisa a ver com essa disputa. Ela me garantiu que não, mas que o pai dela, um tradicional bôer, provavelmente teria problemas com isso. E acrescentou: "Hoje convivemos bem, mas muitas vezes eles (descendentes de ingleses) são esnobes. Eles se acham melhores do que nós."

4 comentários:

Laura Barreto disse...

Denise,
Mais uma aula! Obrigada!

Taís Ahouagi disse...

Muito, muito bom!

Denise disse...

Obrigada, Laura e Taís!
Se tiverem oportunidade, assistam ao filme! É muito bom!

Breiller Pires disse...

Traz uma cópia (original, claro) desse filme pra gente assistir na minha TV nova...